«ui, estes meninos jogam muito futebol». Na altura, naturalmente, o nível razoavelmente baixo do opositor diminuiu-me o entusiasmo. Era só a Geórgia e era só um jogo de qualificação. Dez meses volvidos, já é seguro escrevê-lo: estava tudo lá. A alma, a harmonia, o controlo dos ritmos e da bola, até o adolescente Lamine Yamal se estreava nessa noite - e logo com um golo. Há um fascínio inexplicável por equipas hábeis com bola. A delicadeza do toque, o prazer de receber e identificar a linha de passe, a pulsão sádica ao ver os coitados do outro lado, para trás e para a frente, desgovernados e impotentes. Espanha nem sempre foi isto, mas tem sido isto desde que o sábio Aragonés e o imperturbável Del Bosque tiveram a inteligência de perceber o significado da obra prima de Pep Guardiola em Barcelona. A trasladação do tiki taka para a seleção era um processo sensível, mas lógico. De 2008 a 2012, o império espanhol tomou conta do planeta futebol. Às custas desse ideário diletante, Espanha agarrou dois Europeus, um Mundial e, acima disso, a admiração do mundo. O bom futebol tinha morada e proprietário conhecidos. As histórias felizes também têm finais duros e esse estado de pureza, de superioridade, de detenção dos segredos e das juras de amor ao jogo, acabou. Entre 2016 e 2022, com equívocos e azares a dividir por Lopetegui, Hierro, Luis Enrique e um tal de Roberto Moreno, o tal fascínio transformou-se em aversão e repulsa. Não é este, afinal, o jogo das emoções extremadas? O que fez, então, a federação espanhola, que lá pelo meio teve de lidar com a misoginia de Rubiales e violentas convulsões internas? Olhou para dentro e lembrou-se do basco low-profile, o antigo lateral do Athletic que conduzira estes meninos a títulos europeus de sub19 e de sub21. Apaixonado pela música de Julio Iglesias e pelos filmes do Rocky, filho de um marinheiro, homem discreto e conhecedor. De la Fuente. Em pouco mais de dois anos, aceitou a herança aparentemente envenenada e beijou-a nos lábios. Matou-a de indiferença, conquistou uma Liga das Nações e está na final do Europeu, amparado na confiança de muitos dos seus meninos das seleções jovens. Luis de la Fuente tem o mérito fantástico de simplificar o que domina. O discurso, o treino, o estilo. Basta escutá-lo um par de minutos e logo se percebe que a maior invenção dali só pode ser a beleza das coisas básicas. Recolocou a seleção de Espanha no trilho perdido em 2016, devolveu-lhe a autonomia das decisões com bola e, garante, injetou-lhe objetividade. De la Fuente e os seus meninos, com Yamal e Nico à cabeça, são a mais bela lembrança deste Euro24. Que o futebol lhes faça justiça e que Berlim lhes ofereça o palco maior. PS: este é o 29º e último Palavras à Sorte. Ao longo de um mês, diariamente, os jornalistas do zerozero derramaram neste espaço de opinião as sensações vividas no Euro24, mas olharam também muito para as memórias de torneios passados. Tivemos três enviados-especiais na Alemanha e uma redação fantástica a prestar-lhes o apoio possível e, em alguns dias, impossível. É ótimo sentir que o Mundial de 2026 está já aí a chegar.
Fonte:da Redação e da zerozero
Reeditado para:Noticias do Stop 2024
Outras fontes • AFP, AP, TASS, EBS
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