justiça.
A polícia moçambicana abriu já um auto contra Florindo Nyusi, por ter provocado o acidente de viação em que ficaram feridas duas crianças que iam a caminho da escola, no centro de Maputo. Numa nota enviada à imprensa, a OAM, que acompanha o caso e esteve no local do acidente desde os primeiros momentos, destaca a importância de a polícia ter recolhido indícios de ilícito no local do acidente.
"Ato contínuo, todos os órgãos a jusante serão chamados a agir com imparcialidade e total isonomia neste processo, demonstrando que a justiça é cega, mas tem cérebro", sublinha ainda a Ordem dos Advogados na mesma nota.
A ativista política e social moçambicana Quitéria Guirengane concorda que este acidente é um teste à imparcialidade da justiça moçambicana, mas também para a família presidencial, que está quase de saída do poder. Um sinal de que "o copo transbordou" e "os tempos mudaram", diz em entrevista à DW.
Ativista Quitéria Guirengane em entrevista à DW
06:14
DW África: Este tipo de acidente com Florindo Nyusi foi recorrente durante os dois mandatos do pai. Espera mudanças nos próximos tempos?
Quitéria Guirengane (QG): Não é o primeiro nem o último acidente, mas é o primeiro que acontece numa época em que o Presidente está em transição e, por isso, Florindo Nyusi é confrontado com toda esta coragem e ousadia das pessoas para denunciar e demandar responsabilidade e que ele seja suficientemente capaz de começar a ler os sinais de que os tempos mudaram.
DW África: Acha que este acidente é um teste à seriedade da Justiça, como disse a Ordem dos Advogados de Moçambique?
QG: É, sem dúvidas, um teste à seriedade da Justiça e a como ela é capaz de continuar com a venda sobre os olhos e julgar sem ter em conta quem está à frente das instituições, mas, simultaneamente, é também um teste à família presidencial que se está a despedir. Eu costumo dizer, e repito, que o Florindo Nyusi não está a ser julgado por este acidente, até porque acidente é algo natural e que acontece com qualquer um de nós, por isso é que se chama acidente, mas está a ser julgado por todo o comportamento manifestado nos últimos 10 anos, em que foi chamado à atenção, foi várias vezes repreendido publicamente e várias vezes esta repreensão foi silenciada pelo medo.
E hoje, efetivamente, as pessoas estão como um copo de água que transbordou e esse copo de água que transbordou é sintomático de todas as vezes que saiu nas redes sociais que Florindo Nyusi se envolveu em acidentes de viação, que foi acobertado, que Florindo Nyusi entrou num espaço público e manifestou desprezo, humilhou aqueles que eram menos favorecidos, que Florindo Nyusi destruiu o carro de alguém e que essa pessoa foi ameaçada para não falar.
Então é, na verdade, um culminar de várias indignações populares que aconteceram ao longo do tempo e que explicam porque é que as pessoas, mesmo considerando que é um acidente, não se surpreendem e acima de tudo demandam justiça em relação a este caso, independentemente do contexto em que terá acontecido. Nós sabemos que sempre que há uma situação de acidente que culmina em situação grave por parte da vítima, ou morte, a justiça julga com vendas. Aliás, se foi a equipa de Florindo Nyusi que prestou socorro [às vítimas], terá a oportunidade na justiça de apresentar essas provas, se ele realmente se comportou de acordo com o que manda a lei, a justiça vai-lhe colocar a responder e a apresentar essas provas em sede de justiça, mas não pode ter um tratamento privilegiado porque o Código de Estrada não escolhe os destinatários.
DW África: Considera que a impunidade a que se assiste por vezes em Moçambique - e, como relembrou, estes episódios com o filho do Presidente, Florindo Nyusi, foram recorrentes nos últimos anos - é também um sinal de que existe uma certa promoção da ilegalidade quando se trata de figuras ligadas ao poder?
QG: Sim, sem dúvidas, uma das questões que eu tenho levantado é aquilo que os juristas dizem, que não existe norma perfeita sem sanção. Então, qualquer norma que não tem sanção não pode ser considerada uma norma próxima da perfeição. E por isso quando nós dizemos que a impunidade é um dos maiores males deste Estado, estamos a dizer que enquanto não houver responsabilização, as elites políticas sempre vão mandar uma mensagem de procrastinação, de prevaricação, de adiamentos constantes da justiça para todas as outras camadas mais desfavorecidas.
O "Zé Ninguém" pergunta-se: porque é que eu tenho de cumprir a lei, se a lei só é forte para os fracos e é fraca para os fortes? Moçambique é um daqueles países em que você não se apresenta por aquilo que fez, o seu Bilhete de Identidade (BI) não é a sua conduta, a sua apresentação é: "eu sou filho de". E nós sempre dissemos que é importante acabar com isto. Ser "filho de" deve significar um comportamento exemplar para representar de onde vem. Agora, se efetivamente há um ambiente de protecionismo, esta é a relação popular que sempre vai acontecer e aí as pessoas vão começar a vitimizar-se. As pessoas cansaram-se e isto é o que acontece quando há saturação.
DW África: No dia do acidente, o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, visitou uma das vítimas do desastre provocado pelo filho, no Hospital Central de Maputo. Como interpreta esta visita? E não deveria o filho do Presidente assumir a responsabilidade pelo acidente?
QG: Eu não tenho nenhum problema que o Presidente visite [o hospital], aliás deveria visitar com mais frequência, ainda mais numa altura em que os hospitais nem sequer têm gesso para os seus utentes, usam papelão, numa altura em que os hospitais não têm máquina de raio-x, numa altura em que no hospital público falta quase tudo. O que estamos a dizer é que o filho do Presidente da República tem de ser responsável. Se tem idade suficiente para conduzir, tem idade suficiente para ser responsável pelos seus atos. Teria soado muito bem se o filho do Presidente da República tivesse ido ao hospital. Quem cometeu o acidente é um cidadão de nome Florindo, é Florindo que as pessoas querem ver a responder pelos seus atos.
Agora, se o Florindo acha que é incapaz de ir ao hospital porque tem medos, tem receios, e isso acontece com algumas pessoas quando têm receios, essas pessoas procuram alguém para as acompanhar, vão visitar a família e mandam alguma assistência para a família. Dizem que ficou ferido e que também estava no hospital, por isso é que não estará a aparecer publicamente, então deveria ter levado ao mesmo hospital a vítima do seu dano, se acha que o hospital público não tem condições. Mas se o hospital público tem condições, ele também deveria ter ido ao hospital público para ser atendido lá. É uma questão de responsabilidade de assistência e a assistência vai muito além de carregar a pessoa e levá-la ao hospital. Quando vemos uma família aparecer publicamente a dizer que lhe foram dadas tangerinas ou algo assim, é um símbolo do desprezo ao mais alto nível pela pobreza coletiva do povo moçambicano.
Fonte:da Redação e da dw
Reeditado para:Noticias do Stop 2024
Outras fontes • AFP, AP, TASS, EBS
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