Amigo fiel ou cúmplice? Luís Brito terá ajudado o ex-ministro moçambicano Manuel Chang a escamotear dinheiro do suborno das dívidas ocultas com transações financeiras fora do país. Terá sido aliado em todos os momentos.
Era uma vez o Kung Fu e o seu amigo fiel Luís Brito. "Kung Fu" era um dos nomes porque Manuel Chang era conhecido no escândalo das dívidas ocultas. E o nome de Luís Brito foi falado várias vezes, nos Estados Unidos, durante ojulgamento do ex-ministro moçambicano, condenado por fraude eletrónica e lavagem de dinheiro.
O seu amigo fiel, Luís Brito, um empresário com ligações a altas esferas governativas, terá sido leal a Chang até ao fim: na hora de engordar as contas bancárias do ex-ministro com dinheiro de suborno e na hora do aperto, ao devolver milhões de dólares ao Estado moçambicano. Ou terá também sido um estratagema para salvar a sua pele?
O julgamento de Chang nos EUA permitiu puxar o fio à meada e saber quem é Luís Brito e como terá ajudado Chang a cometer o crime.
A acusação entende que foi através das contas de Brito que Chang "lavou" o dinheiro do suborno das dívidas ocultas.
Brito terá usado as suas contas no Banco Barclays e Noble Bank, em Espanha, para o efeito. Os cerca de 7 milhões de dólares do suposto suborno da Privinvest a Chang terão sido enviados para as contas de Brito. O ex-ministro e Brito terão usado ainda outras instituições financeiras como a Genoa Asset, na Suíça, e a Thyse International, em Espanha, para escamotear os alegados crimes financeiros.
Mas quem é, afinal, o amigo fiel de Manuel Chang?
O telemóvel apreendido de Chang terá permitido ao tribunal confirmar o grau de proximidade entre os dois. Brito foi mencionado no tribunal como membro da FRELIMO, partido no poder em Moçambique; contudo, é politicamente desconhecido. Acredita-se que a sua filiação seria apenas para garantir proteção às suas atividades comerciais no país e ter as portas mais abertas a negócios.
Suspeita-se que o empresário Luís Brito seja também testa-de-ferro de Manuel Chang em outros empreendimentos. "A gente não faz amigos, reconhece-os", diz o adágio popular.
Luís Rocha Brito é um dos donos da InterAuto, uma destacada concessionária automóvel que opera em Moçambique. Representa a Ford e é considerada um dos maiores vendedores da marca na África Austral. A InterAuto foi um dos maiores fornecedores de viaturas ao Estado durante o consulado de Armando Guebuza. Brito também era apontado como próximo da família do ex-presidente.
Os interesses empresariais de Brito estendiam-se ao setor imobiliário, em sociedade com as elites políticas locais. A HD Imobiliária era uma delas: tinha como sócios, por exemplo, Gabriel Muthise, ex-ministro dos Transportes e Comunicações do Governo de Guebuza e seu próximo, para além do genro de Chang, Ingilo Dalsuco.
De acordo com o Boletim da República, o genro de Chang saiu da sociedade e, no seu lugar, entrou o fiel amigo de Chang, Brito. No ramo imobiliário, o empresário também foi sócio da falecida Valentina Guebuza, na Imogrupo.
"Há um silêncio conivente"
Foi também Luís Brito quem devolveu o dinheiro do suborno ao Estado moçambicano, a 29 de novembro de 2019, de acordo com o tribunal norte-americano. Um processo mantido no secretismo pelo Estado moçambicano, o que indignou a sociedade.
Só mediante questionamento da imprensa é que o procurador-geral adjunto, Ângelo Matusse, e o presidente do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela, confirmaram a devolução, isso em finais de julho. Relativamente à postura pouco transparente das autoridades, o político Manuel de Araújo critica:
"Há um silêncio conivente que preocupa qualquer pessoa interessada na realização da justiça em Moçambique."
Devolução "visa atenuar eventual incriminação"
O suposto envolvimento de Brito no crime das dívidas ocultas poderá levar o tribunal norte-americano a investigá-lo. Em Moçambique, fazem-se as mesmas reivindicações: Manuel de Araújo exige que o companheiro de todas as horas do ex-ministro não seja esquecido.
"Devia haver consequências desta condenação de Manuel Chang, como por exemplo, a pessoa que fez o pagamento, como o fez, onde conseguiu o dinheiro, quem lhe deu o mandato, etc. Deveria haver um follow-up, mas que eu saiba até hoje não houve qualquer pronunciamento, quer do Ministério Público, quer de outras entidades moçambicanas", exige o político.
Porém, mesmo os amigos leais podem ser movidos por necessidade de sobrevivência. O empenho na devolução dos cerca de 7 milhões ao Estado seria um esforço para atenuar os eventuais crimes financeiros que cometeu?
O jurista Job Fazenda entende que "esta ação, sim, consubstancia uma ação que visa atenuar uma eventual incriminação ou processo-crime de lavagem de dinheiro".
Aos olhos do jurista, um acordo terá acontecido no contexto do chamado processo de colaboração com a Justiça, eventualmente com a Procuradoria-Geral da República, para não ser indiciado no crime de lavagem de dinheiro.
Brito com o pé no paraíso fiscal
Brito também tem o seu nome envolvido na investigação "Paradise Papers" do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação. O empresário estaria conectado à Blue Sky Operations Ltd. e à Blue Sky Six Holding Ltd., ambas com jurisdição em Malta, famoso paraíso fiscal. No caso da Blue Sky Six Holding Ltd., Maputo tem um dos endereços.
"Não sei se depois foi aberto um processo sobre isso em Moçambique. Sobre este perfil, que de alguma forma roça de algum modo ao cometimento de algum crime de branqueamento de capital ou indícios de corrupção ligados às elites políticas. No caso concreto, existe uma prova que é considerada robusta pela PGR, que até por ele próprio foi admitido, que são os 7 milhões que recebeu da Privinvest para Manuel Chang."
Resta saber se Luís Brito, que de amigo da onça nada tem, manteria a inabalável amizade com o ex-ministro caso fosse chamado a sentar-se no banco dos réus.
Fonte:da Redação e da DW
Reeditado para:Noticias do Stop 2024
Outras fontes • AFP, AP, TASS, EBS
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