Ana e João, o casal que se segue em Angola

Ana e João, o casal que se segue em Angola

Angola
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José Eduardo dos Santos não resiste a uma irreversível erosão do seu reinado diante da curva mais apertada da sua vida. O tempo dele está a chegar ao fim...
Quarenta e um anos depois de ter irrompido na cena política angolana como chefe da diplomacia, as velas da sua última “capela” governativa estão prestes a apagar-se definitivamente. Derrotado por uma grave doença e corroído pelo desgaste da imagem, o poder, que durante três décadas fez a transumância política entre o Futungo de Belas e a Colina de São José, vai agora mudar de mãos.

Um novo casal irá irromper pelas escadarias do antigo Palácio Colonial sobranceiro à Baía de Luanda. Com a chegada de João e Ana Lourenço à casa do mais alto magistrado da nação, uma nova página poderá ser lida na história de Angola. Desse casal, Irene Neto, a filha mais velha de Agostinho Neto, o primeiro Presidente do país, espera, sobretudo, que seja capaz de insuflar oxigénio “a uma geografia que está irada com um festival de escândalos” sem fim, “que salpicam os militantes e a liderança do MPLA.”

De um lado, João Manuel Gonçalves Lourenço, 62 anos, antigo comissário político das FAPLA — o corpo de guerrilheiros do MPLA — que é visto por Pedro Neto, ex-comandante da Força Área, como “um fervoroso amante da disciplina e do rigor, que não confunde amizade com lazer”. Com um estilo de vida recatado, o seu dia a dia divide-se entre os afazeres partidários na sede do MPLA e o Ministério da Defesa. Assoberbado com a campanha eleitoral, que depois de Huambo, o levará de volta a Benguela e ao Lubango, é agora surpreendido frequentemente a despachar assuntos da pasta ministerial que ainda dirige.

Do outro lado, a economista Ana Afonso Dias Lourenço, que, na avaliação de Milá Melo, juíza do Tribunal Constitucional e antiga colega no coro universitário, se impõe “com um sentido de observação muito perspicaz”. Muito apegada à irmã mais velha, a médica Fernanda Dias, Ana Lourenço sempre foi uma excelente aluna e, segundo alguns colegas, antevia-se-lhe o futuro que se apresta a ter.

Este é o casal que observa ao longe a mudança de casa do homem que os seus acólitos quiseram que entrasse para a história como “Presidente-emérito”. O chumbo daquilo que um dos seus colaboradores qualificou como uma verdadeira “deriva psiquiátrica” de inspiração norte-coreana, acabou, entretanto, por consumar um humilhante revés para o seu orgulho. Como compensação, durante a sua ausência em Barcelona, onde passou a deslocar-se regularmente para receber tratamento médico, foi atribuído o nome dele às placas que assinalam a inauguração de uma série de empreendimentos feita pelo vice-presidente, Manuel Vicente.

“É outra forma, embora forçada, de fazer com que não se esqueçam dele, mas a história a esse nível tem sido ingrata”, lembra ao Expresso Romão Moreira, estudante da Universidade Metodista.

José Eduardo dos Santos terá a sua residência no Bairro Miramar, uma réplica arquitetónica em miniatura do palácio que vai em breve abandonar. A sua vida poderá repartir-se ainda entre as antigas instalações da Presidência da República, no Futungo de Belas, que lhe foram agora atribuídas, e uma fazenda nos arredores de Luanda.

Quase 38 anos após a morte de Agostinho Neto, o próximo inquilino do palácio de estilo neoclássico da Cidade Alta — um edifício recuperado, ampliado e modernizado pela construtora portuguesa Soares da Costa —, pela primeira vez na história de Angola, não será um representante da geração da resistência armada nem pertence ao grupo de políticos que esteve nas cadeias da PIDE.

“Quem vier a seguir vai encontrar um presente demasiado empoeirado”, disse ao Expresso Walter Ferreira, um jovem jurista que não se deixando influenciar pelo pai, militante do MPLA, decidiu abraçar, sem quaisquer tutelas partidárias, a causa da cidadania.

Quem vier a seguir pode ser João Lourenço, que, sacado a ferros do baralho de cartas de Eduardo dos Santos, simboliza a esperança que acompanha Tito Cambanje. Comentador da TV Zimbo, Cambanje prefere fazer carreira política no MPLA, integrando uma geração que acredita ser possível resgatar a esperança na aplicação de uma terapia de choque que venha a estancar a esquizofrénica onda de rapina neopatrimonial posta em andamento por novos proprietários do poder em Angola...

Quem substituir Eduardo dos Santos, fá-lo-á consciente de que, desta vez, o “contrato de arrendamento” não lhe permitirá ocupar os aposentos daquele espaço ‘mágico’ mais do que dez anos.

“Não voltaremos a consentir que no nosso país um outro chefe de Estado permaneça no poder uma vida inteira. Sentimos o quanto isso corroeu o poder”, disse ao Expresso, o sociólogo Arménio Chibata. A quebra abrupta do preço do petróleo, o mais temível “adversário político” da estratégia monopolista de José Eduardo dos Santos, acabaria por mergulhar na escuridão os anos dourados desta onda de “eduardização” da economia.

Com um posfácio escrito em letras minúsculas, esse tempo, em fim de estação, prepara-se agora para se despedir de um político que, ao ter-se transformado num “eucalipto”, secou tudo o que o rodeava e afirmou-se, numa dimensão quase divina, como senhor absoluto do jogo político em Angola. Um tempo em que eram distribuídos cargos e benesses a favor da família do ainda casal presidencial, numa voraz apropriação dos bens do Estado.

“Não foi a riqueza que mudou de cor. Foi também a colonização”, denuncia Graça Campos, diretor do jornal eletrónico “Correio Angolense”. “Com o tempo, acabou por ser capturado pelos filhos e, para disfarçar a concentração da festança na família, colocou em lugares-chave membros do seu restrito clube de colaboradores, tendo distribuído algumas migalhas a uns tantos serviçais da sua corte de bajulação”, acrescentou.

Vergado pela crise petrolífera e com o prestígio profundamente abalado a registar os níveis de popularidade mais baixos de sempre, o ainda Presidente angolano vive os últimos dias do seu reinado dividido entre o secreto desejo de “sair ficando” e a incapacidade de controlar a corrosão de um sistema que, numa viagem sem retorno, está a empurrá-lo para fora das quatro linhas. “Vive flagelado por um apego quase patológico ao poder e dominado pelo fantasma da segurança”, disse ao Expresso, sob anonimato, um antigo agente dos serviços de segurança.

Os seus últimos atos governativos estão a tirar o sono a João Lourenço que, com receio de beliscar o seu ‘tutor’, apalpa o terreno com pinças. Frio e distante, Eduardo dos Santos dá agora cada vez mais sinais de que João Lourenço poderá não ter sido a sua primeira escolha. Frieza e distanciamento que se contrapõem a uma súbita reaproximação a Manuel Vicente, que, ferido, prefere, porém, manter-se solidário com a escolha do MPLA. “O apoio do Presidente, que até hoje nunca apareceu publicamente ao lado de João Lourenço, parece mergulhado numa cortina de fumo”, disse um dirigente do Comité Provincial do MPLA, justificando o jogo de luzes incandescentes que, por vezes, parece querer atirar para cima do atual ministro da Defesa de Angola.

De João Lourenço esperam-se agora respostas a muitas perguntas dos eleitores.

Depois de ter visto rejeitada pela sociedade a pretensão de se entronizar “Presidente emérito”, Eduardo dos Santos, numa última demonstração do poder, bateu o pé e, a dois dias de iniciar a campanha eleitoral, impôs a João Lourenço um verdadeiro presente envenenado: a nova lei das chefias militares.“Era perfeitamente escusado e pode vir a potenciar, a prazo, uma rutura entre ambos”, adverte Alberto Alegre, professor universitário afeto à coligação CASA-CE, liderada por Abel Chivukuvuku.

Se no plano político João Lourenço foi obrigado a “engolir o sapo”, que o coloca agora no radar de serviços de inteligência controlados por homens da confiança de Eduardo dos Santos, todos querem saber o que vai acontecer à Sonangol e ao Fundo Soberano, geridos por dois dos filhos do Presidente como as suas “galinhas dos ovos de ouro”. A recondução, em vésperas das eleições, do Conselho de Administração da Endiama, que detém o monopólio do negócio de diamantes controlada por Isabel dos Santos é outro “fogo amigo” lançado para embaraçar a futura governação.

Sem fazer ondas, João Lourenço tem reagido com serenidade, à colocação de várias minas e armadilhas ao longo do seu caminho. “Aqueles que agora votaram a favor desse decreto, serão os mesmos que amanhã darão força legal à sua revogação”, adverte Bonifácio Ferraz, especialista em ciências políticas.

A serenidade de João Lourenço assenta também no apoio de enorme peso político que está receber de generais da “velha guarda” — João Luís Neto, “Xietu”, antigo chefe do Estado-Maior das FAPLA, Alexandre Rodrigues, “Kito”, antigo ministro do Interior, Condessa de Carvalho, “Toka“, antigo comandante da Marinha, entre outros.

Longe de encarnar o brilho intelectual de Agostinho Neto, a matreirice governativa de Eduardo dos Santos ou o fulgor e a retórica política de Jonas Savimbi, com o poderoso apoio da máquina do MPLA, o general de três estrelas na reserva encaminha-se lentamente para vir a afirmar-se como o próximo senhor da Cidade Alta.

“Está a fazer o seu percurso com muito cuidado, para não dar nenhum passo em falso”, comenta um dos seus colaboradores. Com uma enorme base de apoio, não deixa, no entanto, de ser visto com reservas por alguns companheiros do próprio partido que aspiravam ao seu lugar. “Para o futuro, defendo a existência de candidaturas alternativas. Será uma maneira de aprofundar a democracia interna”, disse Vicente Pinto de Andrade, antigo dissidente do MPLA, que integra agora a sua lista de deputados.

João Lourenço, ao ter partido para a mais importante corrida da sua vida, revela-se confiante em cortar a meta em primeiro lugar e promete, a 23 de agosto, deixar os seus adversários “com a língua de fora”.

Nascido no Lobito, onde fez a instrução primária pela mão do pai, o enfermeiro Sequeira Lourenço, que seria preso pela PIDE, viaja, no início da década de 70, para o Bié, antiga cidade de Silva Porto, onde conclui o curso geral de mecânica na Escola Industrial.

Tem como colegas de turma algumas figuras que se notabilizariam anos mais tarde na vida política e militar angolana como Arlindo Pena, “Ben Ben”, antigo chefe do Estado-Maior das FALA (as tropas da UNITA), Georgina Palalo, ex-deputada do Movimento de Jonas Savimbi, Jorge Dombolo, atual secretário da organização do MPLA e outros altos dirigentes destes dois partidos.

A cinco quilómetros de distância, era Pedro Passos Coelho estudante da escola primária. Mas aquele que poderá vir a ser o próximo Presidente de Angola, se nunca esteve na oposição como está o atual líder do PSD, teve, no entanto, que fazer também uma longa travessia no deserto até cair definitivamente nas graças de Eduardo dos Santos.

“Na escola, João Lourenço gostava de desporto mas sempre foi uma pessoa de muito poucas falas”, diz Dombolo, um dos homens-fortes da sua campanha eleitoral.

A primeira vez que tentou obrigar José Eduardo dos Santos a ser escravo da sua própria palavra, movido por uma imperdoável ingenuidade, não esperava que o seu exímio ‘treinador’ o remetesse para um lado e enviasse a bola para o outro. “A tática estava escondida e poucos se deram conta. João Lourenço não deu por isso”, disse ao Expresso, Joaquim Serrote, ativista de ação social.

O Presidente angolano havia anunciado pela primeira vez em 2000 que não voltaria a ser o candidato do MPLA às eleições e, na reação, ao emocionar-se, João Lourenço, que à data era secretário-geral do MPLA, deu-se tão mal, que acabou por esperar mais 17 anos para ter a certeza de que agora seria indicado como seu sucessor!

Antes de aqui chegar, em 1978 foi enviado para Moscovo para fazer formação militar na Academia Superior de Lenine. Um ano depois, fez parte do corpo de militares que, no Aeroporto 4 de Fevereiro, em Luanda, recebe o cadáver de Agostinho Neto, subitamente falecido em Moscovo. Um novo capítulo se inicia na vida de Angola com a ascensão de Eduardo dos Santos à Presidência da República, que anos mais tarde, abriria as portas da governação a João Lourenço, nomeando-o comissário (governador) provincial do Moxico.“Foi nessa altura que sedimentou o namoro com Ana Dias, que passou a fazer deslocações regulares àquela província para se encontrar com o futuro marido”, conta um amigo do casal.

Acabada de se licenciar em Economia pela Universidade Agostinho, com especialidade em gestão de políticas macroeconómicas pelo Instituto de Desenvolvimento Económico do Banco Mundial, o percurso da mulher do atual candidato do MPLA seria tolhido por alguns espinhos. Apanhada e detida em Lubango na sequência da intentona de maio de 1977 e posteriormente enviada para Luanda onde ficaria presa na Cadeia de São Paulo, Ana Dias em entrevista ao “Novo Jornal” resumiu, desta forma, este episódio negro da sua vida:“Houve pessoas que quiseram pôr-me fora do MPLA, mas só conseguiram fazê-lo durante três meses.”

Para trás ficara uma passagem pelo Liceu D. Guiomar de Lancastre, onde, em 1974, concluiu o liceu. Depois da independência,tem o primeiro emprego no sector da indústria.

Com a transferência de João Lourenço para Benguela, a exercer as funções de comissário provincial, é colocada nesta cidade como diretora do Gabinete do Plano. “E foi aqui que se casou”, recorda um antigo subordinado do marido.

Regressado à capital angolana em finais da década de 80 para ocupar o cargo de comissário principal das FAPLA, o estabelecimento de um acordo de paz entre o Governo e a UNITA abre-lhe caminho para começar a subir as escadas do edifício-sede do MPLA. Transformado no homem-forte da informação, protagonizou com Lopo do Nascimento a primeira grande disputa eleitoral interna para o lugar de secretário-geral do MPLA. Demolido no primeiro round, ao invés de esmorecer, foi galgando terreno e, no congresso de 1998, num desfecho ainda hoje envolto em mistério, a sua persistência acabaria por ser coroada com a eleição para aquele cargo, em substituição daquele dirigente histórico do MPLA.

“Foi a rampa de lançamento que lhe abriu as portas para agora poder sonhar com a presidência do país”, diz um militante do MPLA que acompanhou a sua trajetória política dentro do partido.

À frente da bancada parlamentar do MPLA enfrentou, nos primeiros anos, alguns momentos de turbulência política protagonizados pela “rebeldia” de um grupo de deputados que, com inusitada ousadia, primava pela fiscalização dos atos do Governo e por críticas abertas à postura de ministros pertencentes ao próprio partido que representavam...

Mas, escaldado pelo calafrio que sofrera depois de José Eduardo dos Santos ter dado o dito pelo não dito, permanecendo na Presidência da República até aos dias de hoje, João Lourenço, com a lição aprendida, preferiu remeter-se, a partir dali, ao comedimento.

A reprimenda presidencial, disparada a sangue frio, fê-lo refletir sobre os dissabores que o seu teste causara ao líder do partido para nunca mais se atrever a desafiá-lo. Refeito desse episódio, seria afastado do cargo de secretário-geral do MPLA mas permaneceria no Parlamento, tendo sido o primeiro vice-presidente.

Nos corredores da luta pela sucessão presidencial perfilava-se, aparentemente em melhores condições, Fernando Dias dos Santos, “Nandó”, que ocupara todos os cargos da alta hierarquia do Estado, desde primeiro-ministro a presidente do Parlamento.

Manuel Vicente, o “senhor Sonangol” eleito, em 2012, vice-presidente da República por imposição expressa do líder do MPLA, acabaria, porém, por deitar por terra todas as pretensões de quem já aguçava o apetite para franquear as portas do Palácio da Cidade Alta. Com a estrela a cintilar, mal haveria de saber Manuel Vicente que os seus dias estavam contados. E terminariam de vez depois de Isabel dos Santos, a mando do pai, ter mandado vasculhar as contas da Sonangol, em busca de alguma irregularidade.

No Governo começa, entretanto, a despontar uma figura que durante mais de dez anos passa a ser vista como defensora de alguma disciplina e rigor na gestão do Ministério do Planeamento — a mulher de João Lourenço, cuja forte personalidade e experiência governativa, para alguns analistas, parece dar-lhe traquejo para poder vir a ter uma palavra a dizer na futura definição das políticas económicas do Governo que venha a ser liderado pelo marido. “Tendo tido um papel de destaque na organização e coordenação da estratégia de desenvolvimento 20/25, não creio que sendo o seu marido eleito, se remeta a ser apenas primeira-dama de Angola”, vaticina Alves da Rocha, um dos mais prestigiados economistas do país.

Catapultado pela primeira vez para funções governativas no aparelho central do Estado como ministro da Defesa, João Lourenço, conhecedor como poucos da máquina partidária onde crescera nos últimos 25 anos, não parece disposto a desperdiçar esta nova oportunidade para “agarrar o osso com unhas e dentes”.

A conclusão da missão de Ana Dias Lourenço junto do Banco Mundial, onde durante dois anos desempenhou as funções de diretora-executiva, é vista por alguns analistas como sendo, para o candidato do MPLA, um trunfo que junta “a fome com a vontade de comer”.

Depois de se ter ‘refinado’ em Washington, para Lima Campos, antigo vice-governador do Banco Nacional de Angola, Ana Dias Lourenço, “com a competência, o rigor e a experiência que reúne, não é mulher para se acomodar à sombra do marido”.

Com Manuel Vicente completamente arredado da corrida, em agosto do ano passado, no congresso do MPLA, o Presidente angolano, já bastante debilitado não tem outra alternativa senão apostar em João Lourenço.

Infatigável maratonista noutros tempos, José Eduardo dos Santos, contra a vontade de uma vasta clientela, diz, resignado: “Já não tenho a mesma capacidade que tinha no passado para reunir durante quatro a cinco horas seguidas.”

Se o mundo pareceria então desabar para todos os que se sentem órfãos do “eduardismo”, em sentido oposto, esse momento abre as portas para a entrada em cena de um casal, em relação ao qual muitos angolanos esperam que venha a tornar mais respirável a atmosfera política em Angola.

Ana e João têm, no entanto, plena noção de que a “descompressão geral” provocada pelo anúncio da renúncia do Presidente, não os livrará de um futuro carregado de desafios gigantescos com nuvens muito sombrias.

O capital de experiência governativa acumulada por Ana Dias pode vir a ser de extrema utilidade quando o marido for obrigado a negociar com a China a elevada dívida com a carteira de empréstimos a Angola. “O Estado de galopante degradação das infraestruturas erguidas com o suporte da linha de crédito chinesa vai obrigar o próximo Presidente a reconstruir a reconstrução iniciada por José Eduardo”, avança Aurélio Semedo, um engenheiro cabo-verdiano de uma consultadora portuguesa. “Com João Lourenço parece que teremos alguém que entende que não podemos fazer o país com analfabetos e doentes”, diz Ruy Mingas, autor da música do Hino de Angola, para enaltecer a nova visão que o candidato do MPLA pretende conferir à sua governação nos sectores da Educação e da Saúde.

Acionista do Banco Sol, detido pela GEFI, holding do MPLA, e dono de duas das maiores propriedades agropecuárias do país, João Lourenço não deixa, no entanto, de olhar com apreensão para o galopante enriquecimento ilícito de agentes do poder que apostam na privatização do Estado. “Faltou coragem para acabar com a impunidade”, disse recentemente num comício em Benguela. Não espanta, por isso, que o combate à corrupção, flagelo que Eduardo dos Santos considerava há mais de 15 anos como sendo “o segundo mal de Angola depois da guerra” — na atualidade a sua maior pandemia social —, se tenha convertido agora no porta-estandarte da campanha eleitoral de João Lourenço.

Para alguns analistas, o candidato do MPLA, perante a ameaça da “venezualização” das finanças públicas do país, tem as piores razões para estar preocupado com esse combate. Todos o aplaudem mas nem todos acreditam na eficácia do seu combate. A teia de negócios obscuros, envolvendo altos membros da nomenclatura e o Estado é tão tóxica que um passo em falso é visto como podendo ser-lhe fatal.

Depois de Angola ter “atirado dinheiro pela porta fora”, como denuncia Lopo do Nascimento, poucos têm dúvida de que herdará um país com os cofres vazios. Alves da Rocha, que foi durante muitos anos colaborador de Ana Dias Lourenço como consultor internacional ao serviço do PNUD e da União Europeia, confessa: “Não tenho muitas esperança de que algo de diferente e de novo possa ser feito. A corrupção no país faz parte do ADN, é vertical e horizontal. Não vejo nenhuma declaração do candidato do MPLA nem vejo, no seu programa de governação, medidas e estratégias capazes de atacarem o problema.”

E para sustentar o seu ceticismo, este professor universitário recorda que “José Eduardo dos Santos com a tolerância zero tentou fazê-lo” mas “sucumbiu aos interesses e às traficâncias existentes. Agora, o combate de João Lourenço passa também pela criação de um sistema judicial independente, competente, eficaz e rápido. Devemos tirar algumas lições do Brasil nesta matéria”.

Ao sentar-se no cadeirão que foi ocupado durante três décadas por Eduardo dos Santos, o futuro chefe de Estado, extraído das fileiras do MPLA, governará ensombrado pelo poder tutelar do líder de um partido que, à distância, com um controlo remoto, pretenderá continuar a ditar as regras do jogo. Disfarçando a subalternidade a que tem sido sujeito, João Lourenço já fez saber que introduzirá um estilo de governação diferente do do seu antecessor e, perante este desafio, resta saber se tudo o que, em cima da meta, está agora a ser decretado pelo Presidente, depois de 23 de agosto ficará como está.

 


Fonte:da Redação e Por Angonoticias
Reditado para:Noticias do Stop 2017

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