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A chuva está a mostrar que o dinheiro do petróleo

A chuva está a mostrar que o dinheiro do petróleo foi muito mal gasto

Angola
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Começo por um facto positivo. Depois de muito tempo a criticar a ausência de contraditório na comunicação social pública, tenho de reconhecer que nos últimos tempos se registam algumas mudanças tímidas, principalmente na Televisão Pública e na Rádio

Nacional. A presença de vozes dissonantes em relação ao status quo nos debates televisivos, criticando severamente certas opções do Executivo, incluindo o tabu da corrupção, é um indicador interessante. O Jornal de Angola, esse, continua tristemente agarrado a critérios dinossáuricos no modo como nele se opina e, mais grave, dá notícias.

São mudanças tímidas, geralmente logo seguidas de grosseiras manipulações, mas são mudanças. Um líder da oposição disse há tempos que isto é sol de pouca dura e que com a aproximação das eleições a “banga” iria acabar. É possível.

Mas penso que se deve ter em conta que, mais do que uma cedência, estas mudanças representam conquistas da oposição, da sociedade civil e particularmente da corajosa luta que os “Revus” vêm travando há cerca de cinco anos pela liberdade de expressão. O modo como o caos dos hospitais e a vergonha das estradas foi tratado pela televisão pública (apesar de pressões em sentido contrário, como sempre se acaba por perceber), que levou a explicações, por vezes caricatas, por parte de altos funcionários do aparelho, não pode ser ignorado.

Como referi em artigo anterior, começa a ser admitida a gravidade da crise profunda e estrutural que vivemos. Porém, como tenho vindo a assinalar, é necessário ser mais assertivo na análise de modo a aceitar-se, definitivamente, que não será responsabilizando o preço do petróleo e as copiosas chuvas (não “quedas pluviométricas” como tanta gente, muitos até com responsabilidades acrescidas, insiste em dizer) pelos males que afligem o país que as coisas vão melhorar. Ou encontrando explicações ou argumentos pueris para os factos.

Por exemplo, fiquei pasmado ao ouvir um deputado dizer que não se deverá criar alarido pelo facto de haver um troço de 200 metros de estradas degradadas quando os restantes mil quilómetros estão bem. No caso em discussão, a já tristemente badalada estrada entre o Dondo e o Huambo (cerca de 400 quilómetros), a parte muito degradada representa mais de 50% do total e há troços em que ela praticamente desapareceu, uma estrada que foi reabilitada em 2007. Não se pode aceitar que uma estrada com menos de dez anos de existência desapareça com as chuvas, que são muitas, sim, mas estão longe das calamidades que por vezes se registam noutras paragens do planeta.

Para azar do deputado, o director do INEA reconheceu publicamente que teria havido um problema de fiscalização e de falta de manutenção.

Dois dos mais sérios problemas que têm sido sistematicamente denunciados pelos “críticos”, que só podem continuar a existir pelas graves deficiências de planeamento e de gestão e pela “gestão danosa” recentemente referida pelo Presidente e pela Direcção do MPLA. E conclui-se tristemente que a chuva está a mostrar que o muito dinheiro do petróleo consumido com as estradas que eram a menina dos olhos do Executivo foi em grande medida muito mal gasto.

Fiquei igualmente pasmado ao ouvir uma deputada dizer num debate parlamentar que não percebia como se exigia o desenvolvimento da agricultura por parte do Executivo quando se sabe que os campos agrícolas estavam minados. Tal dito pode reflectir simplesmente desconhecimento – e esse facto é assustadoramente verdadeiro em relação à agricultura, uma ignorância transversal ao mundo da política, da academia, dos media e até de certos sectores da economia e das finanças – ou, como tantas vezes acontece, manipulação.

Na verdade, não só as zonas minadas nunca constituíram um verdadeiro constrangimento para a reabilitação da agricultura – antes delas qualquer listagem, oficial ou não, apresentava pelo menos vinte mais importantes –, como a remoção das minas das zonas mais problemáticas, felizmente, foi uma das primeiras tarefas do Governo, com apoio internacional, logo depois de terminada a guerra e que teve reconhecido sucesso, ao ponto de praticamente se ter deixado de falar no assunto.

De outro modo, como a deputada pode explicar que tenham sido reabilitados e asfaltados, apesar dos problemas que conhecemos, cerca de 12.435 quilómetros de estradas desde 2005, de acordo com palavras do Ministro da Construção?

Do mesmo modo que se tem de ser mais assertivo nas análises, é necessário questionar muitas das soluções que estão a ser apontadas para a dita saída da crise. Hoje trago à colação o que se está a passar com a produção de açúcar para a qual também há um programa dirigido.

Há quase 10 anos teve início em Cacuso (Malanje) o Projecto BIOCOM, numa primeira abordagem voltado fundamentalmente para a produção de biocombustível a partir da cana-de-açúcar, depois, perante as muitas críticas da sociedade, direcionado principalmente para a produção de açúcar e, supletivamente, de etanol e energia.

O arranjo empresarial foi muito embrulhado, mas não é isso que agora está em causa, basta dizer que se trata de uma parceria entre a Sonangol, a Odebrecht e uma outra empresa privada angolana. O investimento inicialmente anunciado foi de 200 milhões de dólares, que foi crescendo ao longo dos anos e agora situa-se em 750 milhões, com um financiamento do BNDES do Brasil e uma caução de 200 milhões de dólares do Governo de Angola.

Em 2015 começou finalmente a produzir, tendo sido anunciada, através de vários jornais que citaram fontes da empresa, uma produção de 25 mil toneladas de açúcar, das 35 mil previstas. Foi o primeiro alarme. Como foi possível uma derrapagem de mais de 30% logo no primeiro ano? A explicação dada é no mínimo questionável. Num projecto de tal dimensão não se pode correr o risco de falta ou excesso de chuva.

A área plantada com cana é de cerca de dez mil hectares (a maior área conjunta plantada ou semeada do país) mas sabe-se agora que a produção de cana apenas cobre aproximadamente 10% da capacidade de transformação instalada. Então, para que o projecto não seja inviável de todo tornou-se necessário importar açúcar para venda. Hoje a BIOCOM é um importador de açúcar, algo que não é do conhecimento público.

Para se ultrapassar o problema fala-se agora de mais investimentos, para aumento da capacidade de plantação, com recurso à linha de financiamento da China, no quadro de um programa dirigido, que, pelo visto, será mais um insucesso.

Este é um dos muitos exemplos das péssimas opções por projectos de larga escala de que o Executivo é pródigo. Tenho falado aqui de muitos outros exemplos. Mau planeamento, claro, mas possivelmente também a tal “gestão danosa”, em que se confunde petróleo com chuva.

Porque errar não é problema. Problema é insistir no erro.

PS – O embaixador da Rússia em Angola afirmou no Lubango que a colaboração do seu país na produção de trigo era possível porque o clima da Huíla é igual ao da Rússia. Ouvi na TPA. Possivelmente teremos dentro de pouco tempo um projecto de larga escala de trigo.

 

 

 

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